domingo, 19 de fevereiro de 2012

O valor do brinquedo no cultivo dos sentidos

Por:Pilar Tetilla Manzano Borba(*)


“Tudo que é artificial ilude os sentidos das crianças”




A criança percebe o mundo pelos seus órgãos sensoriais: Tato, Olfato, Gustação, Visão e Audição; pelo sentido do equilíbrio, do movimento, do calor, etc.
O mundo entra nela pelos órgãos dos sentidos. E isso se dá pelo contato com a natureza, pela vivência dos elementos: ar, água, terra e fogo; pelas brincadeiras do dia-a-dia e pelos brinquedos.
Tão importante como a brincadeira o brinquedo em si tem sua atuação: - o material de que é feito, as formas, as cores, a proporção, o volume, a superfície, o peso, etc.
Enquanto a criança vivencia os quatro elementos ela também adquire a noção de duro-mole, pesado-leve, quente-frio, alto-baixo, grande-pequeno, e assim vai se situando no mundo e fazendo uso do que o mundo proporciona.
A atividade do brincar exige um esforço interior de expressão do EU, denominado IMAGINAÇAO. Essa imaginação precisa ser alimentada, precisa ter ambiente adequado. Os brinquedos prontos não dão “asas” à imaginação.


A PERCEPÇÃO VISUAL


A criança observa atentamente o mundo animal, vegetal, mineral e humano com muita curiosidade.
O sentido da visão é constantemente atacado por cores fortes, berrantes, por gravuras agressivas, caricaturas de animais e pessoas. Além de ser um ataque ao sentido da visão, é também uma afronta ao sentido da beleza.
Os brinquedos ou materiais usados pelas crianças devem ter cores claras, nítidas e se possível sem tonalidades mistas.
Os brinquedos de madeira de preferência na sua cor natural. Quando pintados a cor deve ser firme, não tóxica e lavável.


A PERCEPÇÃO DA FORMA


O brinquedo quanto ao tamanho deve caber na mão da criança.
A criança deve poder segurar o brinquedo com firmeza.
Pontas e quinas devem ser arredondadas.
A pessoa, coisa ou animal que o brinquedo representa deve ser facilmente reconhecível.
Detalhes em demasia confundem e não permitem que a fantasia da criança atue.
Evitar brinquedos com formas humanas irreais e animais com várias cabeças. Os pais devem procurar usar o bom senso.


O TAMANHO


O tamanho do brinquedo deve ser proporcional ao tamanho da criança. As bonecas devem caber em seus braços pois ela representa a(o) filha(o). Não tem sentido a boneca ser maior do que a criança.
Quanto aos blocos de madeira devem ser maiores para as crianças pequenas para facilitar o manuseio e para as crianças maiores eles já podem ter tamanhos menores. Evitar peças que podem ser engolidas.


A PERCEPÇÃO AUDITIVA


Os sons necessitam ser suaves e melódicos. Dê preferência à voz humana e carinhosa.
Procurar evitar os ruídos eletrônicos que destroem a sensibilidade auditiva causando inclusive surdez.
Observar o ruído do vento, o som das ondas do mar, o canto dos pássaros, a voz dos animais, o som das sementes dentro das vagens, do balanceio dos galhos das árvores, etc.


A PERCEPÇÃO TÁTIL


O tato deve ser educado principalmente pela roupa que a criança veste.
Roupas de algodão, lã ou até seda permitem que a pele respire ao contrário dos tecidos sintéticos.
Os brinquedos também atuam no tato da criança. Os de plástico são muito frios, de matéria morta; já os de madeira são quentes, provém de matéria viva. Os de lã natural atuam também beneficamente assim como os de pano de algodão.
A sucata deve ser cuidadosamente escolhida pois a maioria não passa de lixo.
Para o sentido do tato é essencial que a criança tenha contato com os quatro elementos da natureza (ar, água, terra e fogo) através das brincadeiras com água, barro, areia; dos diferentes materiais dos brinquedos (madeira, bambu, cascas de cocos, cabaças, sementes, conchas, sisal, algodão, lã de carneiro, tecidos de algodão, etc).
A facilidade de agarrar o brinquedo e o ‘calor’ da superfície é importante para o desenvolvimento da percepção tátil. Também é necessário que a criança brinque no chão em contato com o calor do solo se arrastando, rolando, pulando para sentir seu limite corporal através do sentido do tato.
Evitar brinquedos que não condiz com a realidade como por exemplo carros de plástico que se afundam e ferramentas que entortam.


A PERCEPÇÃO OLFATIVA


O olfato da criança deve ser educado com os cheiros naturais como o perfume das flores, o cheiro da comida, da terra molhada pela chuva, etc.
Evitar cheiros fortes de material de limpeza e de essências que acabam por irritar a criança deixando-a incomodada e inquieta.


A VERSATILIDADE


A criança deve descobrir por si as várias possibilidades que o brinquedo oferece.
Dependendo da idade da criança um brinquedo pode ter vários usos.
A criança deve ter plena liberdade para usar sua imaginação enquanto brinca.
Quanto mais simples for o brinquedo mais possibilidade terá para estimular a criança a inventar novas brincadeiras. Blocos de madeira são excelentes para esse fim.
A bola é o brinquedo primordial devido a sua forma redonda. Quanto mais a criança brinca com ela mais desenvolve seus sentidos. A bola estimula o tato, a coordenação motora, a visão, o equilíbrio, a noção espacial e temporal.
Os panos alimentam a fantasia da criança ao construir cabanas, capas, forrando o chão da casinha, embrulhando bonecas, fazendo o rio, etc.
Um pedaço de pau pode ser um cavalo, uma espada, uma colher, uma faca, uma pá, etc.
Caixas de madeira ou de papelão podem servir de armário, de cada, de mesa, pode ser um carro, um barco, um forno, uma cama, etc.
Procurar dar sempre um brinquedo que estimule uma ação como: empurrar, puxar, empilhar, enfileirar, encaixar, separar, comparar, agrupar etc.
O mesmo brinquedo pode já conter vários valores como o da sensação, da percepção e da função.


A DURABILIDADE


Um bom brinquedo deve durar bastante tempo. Não guardando-o mas sendo usado incansavelmente pela criança.
O brinquedo é tanto mais durável quanto melhor for a qualidade de seu material.
Dependendo da fase da criança ela o usa de um modo diferente.
Evitar brinquedos que desmontem inteirinho quando as crianças ainda são pequenas pois elas devem primeiro vivenciar o todo para depois juntas as partes.
Quebra cabeças não são adequados para crianças pequenas salvo aqueles em que as peças são grandes e as figuras saem por inteiras e não partidas.
Os brinquedos devem facilitar a criança a imitar situações rotineiras.


CLASSIFICAÇÃO DOS BRINQUEDOS


Brinquedos de ocasião
São aqueles que a criança brinca algumas vezes, em determinadas fases de seu desenvolvimento e depois os deixa. São divididos em três grupos:
- Brinquedos encontrados na natureza: areia, terra, água, pedrinhas, sementes, troncos, galhos, folhas, bagas e flores.
- Brinquedos que a criança acha dentro de casa: cestos de papéis, gavetas da cozinha, do quarto, do escritório; panelas e tampas, colheres, latas, caixas, panos, que também são chamados brinquedos de todos os dias.
- Brinquedos confeccionados pelas mães e/ou pelos pais: máscaras, pipas, fantasias, recortes, dobraduras, casinhas feitas com caixas de fósforo ou de sapatos, carrinhos de tocos, cavalinhos de cabos de vassoura, bolas de meia, tricô ou crochê, bichinhos de tricô, pompons, etc
- Brinquedos duráveis: são aqueles que se tornam bens valiosos da criança ao longo dos anos: cubos de madeira, blocos de madeira, carrinhos de madeira, bichinhos de pelúcia, bonecas de pano, cavalinho de pau. Caminha e carrinho de boneca.
- Brinquedos mecânicos: são aqueles em que a própria criança os coloca em ação percebendo seu mecanismo: palhacinho que entra dentro do cone quando puxado pela vareta; boneco que faz pirueta apertando as duas varinhas; anõezinhos que martelam; bonequinho que desce a rampa dando cambalhotas; patinho que bate as asas quando puxado pela corda ; burrinho que se mexe.Caminhão que bascula.


LUGAR, TEMPO E DESCANSO PARA BRINCAR


A criança necessita de um canto só dela para brincar, onde poderá ficar algumas horas por dia, e onde seus brinquedos poderão ser guardados.
Sem uma razão urgente não se deve interromper uma criança que se encontra entretida na sua brincadeira. É desta forma que ela adquire concentração.
A criança muito pequena necessita ter sua mãe ou uma pessoa de seu convívio sempre por perto para brincar com ela, e também de poder brincar de vez em quando na sala ou noutras dependências da casa.
Como a criança aprende imitando procurar guardar os brinquedos junto com ela e criar o hábito de guardá-los sempre após brincar.
Um dos deveres que temos como adultos que cuidam de crianças é ter calma, paciência e tempo para observá-la e compreendê-la em suas necessidades e características peculiares.


SOBRE MATERIAIS DIDÁTICOS


Material didático é tudo o que traz informações e, a primeira informação didática provém do próprio material de que é feito o brinquedo.
O melhor material ainda é aquele encontrado na natureza: madeira, folhas, vagens com sementes, cabaças, água, terra, areia, pedras, bambu, conchas, sisal,etc
O meio que rodeia a criança durante as horas do dia é material didático que informa, forma e serve para seu desenvolvimento físico, emocional, mental e espiritual.
Devemos proporcionar materiais que tragam um pouco de calor para a criança que se encontra hoje num mundo de plástico. Esses materiais poderiam ser por exemplo papelão, tecidos de algodão, bolas e bonecos recheados com lã de carneiro; feltro, couro, etc.


CONSIDERAÇÕES


Os brinquedos prontos não dão margem à imaginação pois já estão prontos, definidos, limitados. Assim também é com a televisão que substitui essa atividade interna da criança ao brincar.
O mundo moderno quer dar tudo pronto, definido e acabado para a criança porque a encara como adulto em miniatura. CRIANÇA NÃO É ADULTO.
Na idade entre dois e três anos a criança destrói antes de construir do mesmo modo que compreende antes de falar. Nesta fase também não se detém por muito tempo numa mesma brincadeira e não empresta nem divide seus brinquedos e embora brinque ao lado de outras crianças ainda não interage totalmente com elas.
Nos primeiros sete anos da criança mais importante que os brinquedos são as brincadeiras com o corpo: - no colo dos pais, serra-serra serrador. No balanço na rede e no balanço, o gira-gira, o trepa-trepa, a bola grande, a corrida livre, brincadeira na água, etc.
Evitar brinquedos nocivos que induzem à violência como armas, carros de guerra, bonecos de guerra; brinquedos eletrônicos que levam a criança à inércia e à apatia.
Diante de um brinquedo devemos fazer a pergunta: ele move internamente a criança e a faz agir sobre ele ou a criança é uma mera espectadora?


Fonte: Catálogo SPELENDER, Nijmegem, Suíça, 1970


*Pilar Tetilla Manzano Borba
Graduada em Terapia Ocupacional pela Faculdade de Medicina da USP
Especializada em Tratamento Neuroevolutivo - Método Bobath -
Pós-graduada em Antroposofia na Saúde pela UNISO
Formada em Recursos Especiais em Pedagogia Waldorf - Método Extra-Lesson
Ministra cursos para berçaristas, materneiras e educadores em escolas de educação infantil.
Consultora em educação infantil de escolas Waldorf, escolas municipais e particulares.
Ministra aulas nos seminários de formação de professores em Pedagogia Waldorf sobre a criança de primeiro setênio.

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